sábado, 15 de janeiro de 2022

Casos & Acasos


 

Os acasos da vida não se explicam e por mais que você tente decifrar seus poréns, sempre haverá uma questão sem resposta, um não entender.

Uns acreditam em destino, outros se conformam sem muito perguntar, preferindo acreditar em coincidência.

A verdade é que diante de uma situação inusitada, todos nós, crentes ou céticos, admitimos que há uma força maior de que o nosso conhecimento, algo além de nosso alcance.

Sendo positivos ou negativos, os acasos da vida terão sempre perguntas e respostas em aberto.

Como por exemplo o caso de Alba e Augusto. 

Eram casados há alguns anos, mas ainda sem filhos. Não por falta de tentativas, pois eram um casal apaixonado. 

Os dois sonhavam com isso. Um filho ou filha, não importava, queriam uma criança correndo pela casa e fazendo barulho.

Tinham suas profissões e economizavam para os futuros filhos e ficavam imaginando os mimos que dariam às crianças que completariam a família deles.

Trariam a mãe de Alba para ajudar - “vigiar” a babá, melhor dizendo -  que cuidaria do bebê enquanto os dois estivessem no trabalho.

À noite, depois do jantar, sentavam cada um em sua cadeira de balanço em frente a TV.

Ele vendo jornal e ela fazendo crochê para o enxoval do herdeiro. Menino ou menina, tinham garantido o capricho da mamãe zelosa e prendada.

Augusto, por sua vez, só pensava nos passeios. Se fosse menino, já nasceria com o time de futebol escolhido. Disso não abria mão. 

Discussão pronta. Alba não admitia que Augusto escolhesse o time para o filho, sem contar que cada um torcia para um time diferente.

− Não inventa não, querido. O menino vai ter liberdade nessa casa. Não se intrometa – Defendia ela a escolha do time do filho ainda não nascido.

Augusto não arredava o pé.

—Imagina! Vai que dá o azar de torcer pelo seu time, aí a desordem tá feita. Nem vem! – Reagia ele.

− Quer saber? Vamos dormir, antes que a gente comece a brigar – ponderava Alba.

Esse diálogo era repetido quase todas as noites, era a aconversa favorita deles. 

Deles e da dona Cecília, mãe de Alba, sua única filha.Tudo que queria na vida era um neto para deseducar como manda o manual dos avós.

Quase sempre ligava para checar: e aí, Albinha, nada ainda? Ah, desceu, é? Faz mal não, querida. Fica para o próximo mês. – Dizia ela cheia de esperança por todos esses anos.

Numa manhã, saindo para o trabalho, Alba encontrou em sua porta um pacote. Mais exatamente uma caixa. Dentro dela o presente tão sonhado: um bebê!

Ficou louca de alegria. Chamou Augusto gritando eufórica! 

− Augusto, Augusto! Corre aqui depressa! Deus mandou nosso bebê!

Augusto, sem entender muito, viu a mulher com aquela caixa na mão, quase perdendo o juízo e tudo que ele fazia era nada!

Não conseguia articular nenhuma palavra. Nem mesmo sabia o que estava acontecendo direito. Será que colocaram uma criança na porta deles?

Alba sentou-se abraçada à caixa e pediu: − chama a mamãe, Augusto, diga que é urgente!

Augusto obedeceu sem nem saber como, mas colocou tanto espanto que dona Cecília mas rápido que um avião pousou na casa da filha em minutos. Veio correndo, morava não muito longe e nem muito perto.

Mas, para filho não há distância, não há pedido que não possa ser atendido, e se é caso de urgência então... não tem o que esperar.

Foi uma felicidade só! Nem ao menos pensaram em retirar da caixa a criança que já começava a chorar.

− Olhe, mamãe, que criança linda! Tem um pedaço de cada um de nós, dizia a mamãe orgulhosa.

Dona Cecília, a mais lúcida, embora também muito nervosa, cuidou de retirar o bebê da caixa e se dedicar aos primeiros cuidados.

− Veja minha filha, Deus lhe deu uma menina! 

− Menina?! – Perguntaram ao mesmo tempo Alba e Augusto.

Depois de calmos e refeitos da loucura que a boa surpresa causou, faltava o complemento: o nome.

Alba lembrou do combinado. Se fosse menino ele escolheria. Se fosse menina seria dela a honra da escolha.

Maria! Vai se chamar Maria, assim como a Mãe de Jesus. 

− O que a senhora acha mamãe?

− Muito lindo, como a dona. E por que não Maria das Graças? Porque essa menina foi graça de Deus.

− Está escolhido. Pronto. Maria das Graças!

Os vizinhos curiosos perguntavam se eles iriam contar para Maria das Graças, a verdade, já que a menina era de cor e não parecia com eles.

− De cor? Que cor? Desde quando gente tem cor? −Se indignava Alba. – Ela é nossa filha e pronto. Era só o que me faltava, gente que nem sei quem é, vir aqui pôr cor em minha filha.

Assim cresceu Gracinha, cheia de mimos. Mandava em todo mundo e não tinha limites. Quando queria, queria, não importava mais nada. 

Quando Gracinha completou oito anos nasceu Lúcia, a filha biológica. Veio assim, na hora que quis. 

Foi uma alegria para Gracinha que agora mais do que nunca poderia aprontar como quisesse, ninguém ia ver, estavam ocupados com o novo bebê.

Cresciam amigas, Lúcia era a boneca de Gracinha, a liberdade que tanto queria.

Não gostava de estudar, queria as amigas, brincar e já começava a querer namorar.

Na verdade, Gracinha era linda, mas uma pestinha. Ninguém conseguia controlar.

Nesse ponto chegou mais um presente, da mesma forma que Gracinha chegou.

Desta vez um menino, para alegria de Augusto. 

Com as atitudes de Gracinha e Lúcia mudando seu comportamento, Alba andava aflita e perturbada, não lhe alegrou muito ter mais um filho nesse momento.

Ainda mais porque o menino tinha uma deficiência física e isso fez Alba imaginar uma preocupação a mais.

Augusto brigou para que o menino ficasse e lhe deu o seu nome:

− Vai se chamar Carlos Augusto, assim igualzinho a mim.

Mesmo sendo Carlos – como era chamado – um garoto calmo, estudioso e obediente, Alba falava sozinha e se perguntava para quê mais uma criança quando não tinha mais idade para tantos problemas.

A filha Lúcia desenvolveu um transtorno psicótico e frequentemente era necessário interná-la numa clínica até que melhorasse.

Maria das Graças não tinha jeito de ficar em casa. Não quis estudar e não escutava ninguém. 

Resolveu sair de casa. Iria morar sozinha com umas amigas, disse ela.

− E como você vai se sustentar, Gracinha, se não estudou e nem quer trabalhar? – Perguntavam-lhe os pais. 

− Me viro, minha gente, não sou quadrada. Não preciso de ninguém não − respondia ela.

Não adiantou o apelo dos pais e as promessas da avó. Foi embora, viver como queria, sem dar muitas notícias.

O desgosto consumiu dona Cecília, que já de idade e apaixonada pela primeira neta, não viveu muito.

Carlos tentava consolar os pais. Saía à procura da irmã para saber notícias dela e acalmar os pais. Nunca contou o que sabia. Não daria mais notícias ruins sobre a vida que Maria das Graças havia escolhido.

Tentava dar seu melhor, se esforçava para ser o melhor estudante enchendo o pai de orgulho.

Alba não se animava muito, sempre resmugando e se perguntando pra quê veio mais um filho, cada um com um defeito, pensava ela.

Augusto ficou doente e tinha Carlos cuidando dele, pois Alba já aposentada, só se ocupava de Lúcia.

Cada dia a doença de Augusto se agravava e não levou muito tempo para ele descansar.

Carlos, agora formado, recebeu uma proposta de trabalho para outra cidade. Mas preferiu seguir morando com Alba e Lúcia.

Com a morte de Augusto, Alba ficou ainda mais preocupada com a sorte de Lúcia. E se ela morresse, quem cuidaria da filha?

Essas preocupações a levaram a sofrer um AVC. Resistiu mas ficou com muitas limitações. 

Carlos contratou uma cuidadora para ficar com a mãe e Lúcia, mas fazia questão de quando chegasse à noite, ser ele a cuidar de suas “meninas”, como as chamava.

Cuidava dos cabelos de Alba, que tinha grande vaidade com eles. 

− Não precisa, meu filho. Deixe isso assim mesmo – Dizia ela já sem animação.

− Precisa sim, mamãe, você sempre cuidou de seus cabelos e eu achava tão bonito! Vou continuar cuidando.

 − Minha preocupação, meu filho, é a Lúcia. Quando eu me for o que será dela?

− Nada vai lhe acontecer. E se acontecer, não esqueça que é pra isso que eu estou aqui.

Alba lhe pediu um abraço e perguntou a Carlos: − Me diga, meu filho, de onde vem tanto amor? Porque eu nunca lhe dei o suficiente. Me perdoe!

− A senhora está enganada, mamãe. Todo amor que aprendi foi com a senhora. Não pense nisso e descanse. Venha aqui, minha menina.

Alba descansou nos braços de Carlos, o presente que sempre rejeitou.

Carlos casou com sua alma gêmea. Nita. Uma garota com o coração do tamanho do amor de Carlos e juntos adotaram Lúcia. A menina deles!

E você, de onde acha que vem tanto amor de Carlos?

12 comentários:

Lea disse...

O amor nasce com a gente e o de Carlos nasceu com ele.
Aprendeu a desenvolver sua generosidade observando o amor que foi lhe negado.
"...é melhor dar do que receber." Quem dar está em posição privilegiada. Ele deu o que tinha: amor!
Obrigada, Cinco, por nos trazer essa bonita história!

Cecilia disse...

História muito bonita. Eu entendo o quanto Alba deveria está decepcionada e por isso rejeitou o menino. Mas nada é por acaso
e acredito que Carlos veio como benção para eles cuidando de Lúcia!
Fiquei emocionada com a história.

Vida disse...

Vem do Criador para quem acredita e também de um processo de resignificação.

Rochela disse...

Vem de um coração grato. Amar é privilégio para poucos. Carlos
é uma pessoa privilegiada, passou por cima da rejeição e manteve
o amor. Muita linda a história e o cuidado desse rapaz com quem
lhe deu abrigo apesar dos problemas.

Fátima Fonseca disse...

Comovente!

mantoliva disse...

Parabéns, mais uma linda e comovente história...👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼

Eduardo Chiarini disse...

A história , como sempre, é muito bonita e inspiradora, cercada de amor por todos os lados.
É comovente e Carlos é surpreendente em seu carinho, como um verdadeiro ser humano.
Parabéns ao pessoal do blog.

elkepoetisa@gmail.com disse...

Belíssima história !!!

Diana Scarpine disse...

Linda história, com muitos pontos de reflexão!

Alex disse...

That's a good question...where does Carlos' love comes from? In a way, it feels like the rhyme of life...that we find what we most want in the places we didn't think to look. How fortunate that Alba found the answer to ease her heart, in exactly the way she tried to avoid...the unwanted child. I wonder how often we miss out on a blessing because we are too busy looking the other way...how much joy goes missing because we let our hearts lead, based on our faulty understanding. I guess in the end I'm just happy that Carlos found someone with a heart similar to his, because he is then blessed twice...blessed to love, and blessed to find love.

mantoliva disse...

Casos e acasos, bela história, adorei!!!

Observadores e atores da vida. disse...

Apreciamos e agradecemos as visitas e opiniões de Lea, Cecilia, Vida, Rochela, Fatima, Mantoliva, Eduardo, Elke, Alex, Diana e Mantoliva.
Carlos e Alba encontraram o amor em seus corações.
Uma belíssima lição de vida.
Lembramos que as historias são reais e em breve teremos mais uma.

We appreciate and appreciate the visits and opinions of Lea, Cecilia, Vida, Rochela, Fatima, Mantoliva, Eduardo, Elke, Alex , Diana e Mantoliva.
Carlos and Alba found love in their hearts.
A wonderful life lesson.
We remind you that the stories are real and soon we will have one more.

Paixao.com

    “ Conheci um amor virtual, amor tão lindo quanto o real, sempre mando recados e depoimentos, mesmo distante tocou meus sentimentos.” ...