domingo, 27 de fevereiro de 2022

Secretamente feliz!

 


Felicidade é um estado de espírito, pessoal e intransferível.
 
Há pessoas nascidas com a disposição de ser feliz e com essa força.
 
Mas, e quando tem pessoas lutando contra?
 
Vejamos a história de Emília, uma mulher que não se quebrava fácil, e sabia exatamente aonde queria chegar.
 
Casou por amor, teve um casal de filhos, Inácio, o mais velho e Janete. Os dois quase da mesma idade.
 
A família tinha uma vida modesta mas confortável. Com algum esforço conseguiram comprar a casa própria.
 
Enquanto as crianças cresciam e quando tudo parecia bem, o destino levou seu Moisés, marido de Emília.
 
Ela ficou triste, abalada, mas ela não combinava com a tristeza, guardava seu Moisés e as boas lembranças de seu amor dentro do coração, afinal, tinha duas crianças ainda pequenas e precisa cuidar.
 
A pensão deixada por seu Moisés não era suficiente, Emília então resolveu complementar a renda da família fazendo o que mais gostava, que eram doces e bolos, o que aliás, fazia muito bem.
 
Conversou com a vizinhança, com uma loja de doces e na padaria de um casal de amigos desde a juventude.
 
Tudo acertado, começou o trabalho aumentando a renda que se tornou suficiente para as exigências de Janete e os livros caros de Inácio.
 
Os filhos cresceram, se formaram e cada um foi cuidar de  sua vida.
 
Janete era independente, mudou-se para morar sozinha onde desejava e lá fazer o que bem queria, sem se apegar a ninguém.
 
Inácio casou jovem, os filhos vieram cedo e Emília começou a ser pouco visitada por eles.
 
Cada um com sua desculpa, o que ela entendia muito bem e não se queixava.
 
A mulher de Inácio tinha ciúmes da sogra e não gostava das visitas frequentes que ele fazia à mãe. Tratou de cortar.
 
Emília só era bem-vinda quando o casal queria passear, e precisava de seus serviços para cuidar das crianças.
 
Ela gostava, afinal, era uma oportunidade de ficar com os netos com quem pouco tinha contato.
 
Sua alegria era fazer seus doces, ouvir os elogios e ter sua vida ocupada.
 
O tempo foi passando e as visitas dos filhos foram ficando cada vez mais raras.
 
Emília já estava em seus 82 anos e continuava ativa, disposta e trabalhando.
 
Inácio conversou com Janete, dizendo que ficava preocupado com a mãe por não poder visitá-la mais vezes, Janete encontrava uma desculpa, e assim, um jogava a responsabilidade para o outro.
 
Emília seguia sua vida sem cobrar nada de nenhum dos dois.
 
Uma noite recebeu a visita de Inácio. Ela estava no meio de seus trabalhos e ele lhe disse que já era hora dela parar e se aposentar.
 
Emília retrucou brava:− Deus me livre! Não vou parar não. Pare você com essa conversa!
 
− Mas, minha mãe, a senhora já está velha, não tem mais idade e nem precisa se esforçar tanto.
 
− Velha, eu?! Velho é você que não tem coragem de viver a vida. Sei muito bem como são as coisas na sua casa. Vá cuidar dela e me deixe.
 
Inácio não se conformou. Aproveitou uma das saídas de Emília e lhe tirou todos os utensílios que ela usava para fazer seus doces.
 
Chegando em casa, o encontrou sentado na sala e uma TV enorme instalada lá.
 
Ela olhou meio desconfiada – que TV é essa, Inácio? Presente fora de hora?
 
— Veja, minha mãe, eu conversei com a Janete e acertamos tudo.
A senhora precisa de sossego, já trabalhou muito na vida, precisa descansar.
 
— Eu não estou cansada, meu filho. Muito pelo contrário. Vou continuar trabalhando. Esperem eu ficar inválida, aí vocês fazem o quiserem de mim
— vou continuar! – disse Emília.
 
— Veja só, minha mãe, para o seu bem, e sabendo de sua teimosia, eu e Janete levamos as coisas de sua doceria.
 
Emília não lhe deu resposta. Sentou-se à frente da TV e ficou olhando para ela amuada, sem falar nada.
 
Sentiu o coração partido, atraiçoado. Olhava a cozinha vazia e sentava em frente à TV desligada.
 
Ficava assim todos os dias, por horas, sentindo a alma entristecer.
 
Chegou o dia de seu aniversário, os filhos certamente viriam com aqueles presentes que ela detestava. Mais dois para esquecer na gaveta.
 
O dia passou e os filhos não apareceram como era costume.
 
Ela saiu e foi até a padaria, comprou um bolo, acendeu uma vela, comeu por ela e por todos e foi deitar-se.
 
Rezou, agradeceu e falou para si:  — Feliz Aniversário, menina!
Riu sozinha e dormiu feliz.
 
No dia seguinte levantou cedo e foi até o hospital do bairro vizinho oferecer seu trabalho voluntário.
 
Foi bem aceita, trabalho ali não faltava. Saiu contente, se sentindo renovada.
 
E  por um ano foi assim, se sentindo útil, jovem e animada.
 
Sendo muito querida pelos colegas, no seu aniversário do ano seguinte ganhou uma festa surpresa. Já nem lembrava como era bom festa de aniversário.
 
Voltou contente para casa e lá encontrou Inácio à sua espera.
 
— Aonde a senhora foi, minha mãe? Perguntou ele.
 
— Andar um pouco, comemorar meu aniversário com umas amigas. Posso, ou estou muito velha?
 
— Não deboche, minha mãe. O que é essa jaqueta de voluntário do hospital com seu nome?
 
Emília não teve saída. Contou a verdade e foi reprovada como tudo que fazia.
 
Nova reunião dos filhos e resolveram que Emília deveria vender a casa e comprar um apartamento pequeno, perto da casa de Inácio.
 
Vendida a casa, os planos mudaram.
 
Os filhos a levaram para uma casa de repouso de boa qualidade.
Pensaram que lá Emília seria vigiada e não poderia mais surpreendê-los.
 
Emília sabia que lutar com seus filhos seria uma batalha difícil. Mudou-se para o apartamento da casa de repouso sem contestar.
 
Em poucos dias já estava amiga de muitos e descobrindo nova forma de ativar sua disposição.
 
Começou a escrever tudo que via com amor e sentimento. Fez um caderno de memórias, com a visão do que observava.
 
Olhava sempre além e colocava beleza nos traços mais simples que apareciam à sua frente.
 
Tinha seu local favorito, onde sempre no final da tarde se sentava e escrevia seus pensamentos e seus olhares.
 
Um final de tarde estava no seu abrigo sonhando e escrevendo, quando Alberto, também morador da casa, se aproximou e perguntou:
 
— Caderno de receitas?
 
— Sim. Receitas de sonhos; de vida...
 
— Posso ver? – Claro! – Respondeu ela.
 
Alberto leu e ficou impressionado. Pediu o caderno emprestado e devolveu no dia seguinte.
 
− Você tem talento, Emília. Seus escritos são lindos! Eu gostaria, se não se importar, de lhe presentear com um livro de uma escritora que admiro muito, aceita?
 
Assim, nascia uma amizade além das letras. De encantamento mútuo
que apenas os muito próximos sabiam.
 
Emília e Alberto, apaixonados, encontravam-se às escondidas todos os dias, como ela preferia, para que ninguém lhe arrancasse mais uma vez sua escolha de vida.
 
Sendo então
...Secretamente Feliz!

domingo, 13 de fevereiro de 2022

Mundo Redondo!

 


Cada um é, para aquilo que nasce, diz o ditado. Mas, cada um precisa lutar para ser o que é. 

Assim, quando o mundo chegar à sua rotação total, você poderá descer sem susto, na certeza de uma escolha acertada e digna.

Porque o mundo... ah, o mundo... esse é redondo e gira para todos, assim como girou para os donos de nossa história.

Numa cidade pequena do interior, alguém toca a campainha de uma casa de apoio à crianças desamparadas. 

Vera, uma senhora bondosa e criadora da instituição que se mantinha com doações de pessoas e instituições, vai até o portão.

À primeira vista não tinha ninguém, mas olhando para baixo viu uma figurinha pequena e franzina sentada na porta com um papel na mão.

Vera se apressou em pegar a criança mal agasalhada e a abraçar protegendo-a do frio que fazia naquela noite.

Entrou correndo e pegou o papel que a criança, uma menina, segurava.

Leu em voz alta: − Meu nome é Eliane e tenho dois anos de idade. O meu aniversário é dia 1º de dezembro.

Vera habituada com situações assim, logo cuidou de Eliane, deixando-a confortável, já que parecia assustada.

No dia seguinte, fez as comunicações de praxe às autoridades da cidade e assumiu a responsabilidade de acolhê-la, fazendo todos os registros de sua chegada como sempre fazia.

Não levou muito tempo e a pequena recém chegada se adaptou à nova vida e à nova moradia.

Todas os meses, ficava na fila de apresentação às famílias interessadas na adoção.

Algumas das crianças encontravam novas famílias e saiam; outras perdiam as suas e chegavam. 

Esse era o cotidiano da Casa de Apoio Santa Maria, conhecida como a Casa da Dona Vera.

Os mais velhos ajudavam com os menores e vida que segue.

O tempo passava e Eliane não conseguia uma família para adotá-la.

Devido a idade era mais difícil despertar interesse.

Era notadamente inteligente e quieta. Parecia sempre estar pensando, olhando, observando e guardando.

Eliane já estava com sete anos de idade e continuava na casa.

Nesse ano, dona Vera recebeu a visita de uma senhora da capital com sua filha.

A mãe conversou muito com dona Vera, e contou que na verdade não tinha interesse em adoção, mas gostaria de cuidar de uma menina que fosse da idade da sua filha, para lhe fazer companhia.

Sendo a menina de sete anos, Vera logo pensou em Eliane e a chamou para conhecer Clara, a filha da senhora que acabara de conversar.

A boa conexão entre Eliane e Clara foi imediata. Em poucos minutos já estava Eliane mostrando a casa e os brinquedos comunitários, orgulhosa e feliz como nunca estivera.

Feitos os acordos, Eliane foi levada para a nova casa.

A recepção que Clara fez à Eliane, não foi menor do que a recebida por ela quando esteve na Casa de Apoio.

Eliane dormia com uma das empregadas da casa mas, Clara sempre dava um jeito de convencer os pais a deixarem Eliane dormir com ela em seu quarto.

Clara era uma menina delicada, gentil e doente. Motivo pelo qual não frequentava a escola normalmente, como as outras crianças.

Tinha professores particulares que vinham até sua casa, incluindo uma professora de piano e inglês.

Talvez devido à doença que a deixava fragilizada, odiava estudar, puxando assim Eliane para assistir às aulas com ela e cumprir as tarefas em seu lugar.

Faziam isso no instinto de brincadeira, era um segredo das duas e se divertiam assim.

Eliane e Clara se tornaram mais do que amigas, era um laço de irmandade e cumplicidade. Uma completava a outra e eram confidentes.

Passados seis anos, a doença de Clara se agravou e aos treze anos de idade deixou Eliane sozinha, triste e desolada.

Não menos desolados ficaram os pais de Clara e sua avó, uma vez que era filha única.

Agora restava saber o que fazer com Eliane.

Decidiram que a agora adolescente ficaria, e que lhe ensinassem os serviços da casa, assim trabalharia como ajudante nos afazeres domésticos da imensa casa, agora vazia sem a presença de Clara.

A decisão foi tomada contrariando a avó de Clara, que não aceitava Eliane saudável e sua Clara levada por uma enfermidade.

Dona Emília, como se chamava a avó de Clara, transferiu seu desgosto e raiva para Eliane.

Nada que a garota fizesse a agradava. Implicava e lhe tirou tudo que a Clara lhe dera. 

As roupas que lhe dava eram roupas usadas dos adultos, fazendo com que Eliane usasse a criatividade para adaptá-las ao seu tamanho.

Não queria que frequentasse a escola pública onde estudava, dizia que não confiava na “sonsice” dela.

— Vai deixar essa moleca sair? Qualquer hora aparece aqui com a barriga maior que a petulância. Essa garota não presta! – Falava.

—Deixe ela, mãe, logo fará dezoito anos e vai procurar a vida dela – dizia a filha.

E Eliane chegou aos seus dezoito anos. Foi avisada que deveria procurar um lugar, porque não podiam mais assumir a responsabilidade com ela.

Deram-lhe um tempo, que Eliane, orgulhosa como aprendera ser, não aceitou. 

O tempo passado ao lado de Clara não foi apenas divertimento, foi preparatório. Aproveitou a oportunidade que Clara, brincando lhe dera.

Era fluente em inglês e tinha um nivel cultural de dar inveja.

Conseguiu um trabalho e dividia o apartamento com outras três moças para economizar dinheiro.

Se dedicou a estudar e pelas boas notas conseguiu uma bolsa de estudos para a universidade.

Estudava durante o dia e à noite dava aulas de piano, pois teve que deixar o outro emprego.

Nos fins de semana  estudava desesperadamente para ter boas notas e manter a bolsa de estudos. 

Não era fácil, mas tinha um objetivo, o mesmo confidenciado à sua amiga e irmã Clara.

Dizia que seria médica para tratar da amiga e as duas se abraçavam cheias de esperanças.

Do passado na Casa de Apoio, Eliane só tinha um envelope pardo com sua história que só abriu no dia de sua formatura no curso de medicina.

Da casa da família de Clara, tinha a lição que a única coisa que ninguém pode lhe tirar é o que você aprende.

De Clara, tinha as melhores lembranças e a base fundamental para chegar onde estava chegando.

A ela, só lhe faltava o futuro que estava chegando com as melhores promessas.

Tempos depois, já médica cumprindo sua residência na especialidade que escolhera, foi chamada para atender um paciente.

À sua frente, dona Emília num estágio avançado de uma doença que que lhe tirava o direito de morrer dignamente.

Diante de uma escolha dessas que a vida nos impõe, Eliane tomou o caso para si, e em memória à Clara, cuidou pessoalmente de sua avó, com o mesmo carinho que cuidaria de Clara.

Rodeada da família, e com a dignidade que todos merecem, dona Emília morreu segurando a mão de Eliane, mas não foi antes lhe dizer:

“Doutora... doutora Eliane, você é uma menina de valor!”

“Assim, quando o mundo chegar à sua rotação total, Eliane poderá descer sem susto, na certeza de ter feito uma escolha acertada e digna.”

 

Mundo Redondo!

Paixao.com

    “ Conheci um amor virtual, amor tão lindo quanto o real, sempre mando recados e depoimentos, mesmo distante tocou meus sentimentos.” ...