domingo, 30 de janeiro de 2022

Seu José.


José, um português bonitão, nascido em Trás os Montes, era ainda solteiro nos seus quarenta anos.

Sua paixão era a família, em especial sua mãezinha, como a chamava.

Se preocupava em dar o melhor aos seus três irmãos, um tanto quanto indolentes, acostumados a receber as benesses providas pelo irmão mais velho.

José, cuidadoso como era, via sua casa precisando de reparos e os irmãos se lamentando por não terem estudado devido a falta de recursos.

Ele não queria isso para seus sobrinhos, já que filhos não tinha.

Resolveu dar um passo profissional mais largo, ganhando muito melhor, embora o novo trabalho exigisse o sacrifício de ficar mais tempo em mar do que em terra.

Aceitou a oferta. Viajaria pelo mundo e nos três meses em que estivesse em terra ficaria com a família. 

Passados alguns anos, conheceu e se envolveu com Mara, uma enfermeira divorciada e com um filho que morava com o pai.

O romance dos dois evoluiu e resolveram morar juntos casando algum tempo depois.

Dividia agora o tempo em terra com a mulher em outro país e sua familia em Portugal.

Algumas vezes viajavam juntos, para visitarem a familia dele.

Em uma dessas viagens a Portugal, José recebeu a visita de um rapaz, dizendo-se seu filho, nascido nos tempos de namoro livre, um fato desconhecido por ele até então.

A conexão entre os dois foi difícil, o rapaz tinha modos que José não aprovava.

Não aceitava conselhos, apenas a ajuda financeira que passou a receber do pai.

Agora com um filho e sobrinhos crescendo, José começou a investir em sua terra, para dar melhor condição de vida no futuro à família e a ele mesmo.

Um de seus irmãos era seu procurador e administrador.

Mas não desenvolvia bem a função, não conseguindo manter os recursos enviados por José.

Começaram os conflitos em família. 

José tinha medo da velhice mas, apesar disso, era gastador e muito generoso com os outros e com a família da mulher, motivo para guardar dinheiro longe dele.

Nomeou seu sobrinho como seu novo procurador.

Procurava orientar o sobrinho por quem nutria um amor de pai, mesmo sem conviver muito com ele.

Confiava totalmente nele, e por essa preferência, as brigas com o filho ficaram mais constantes. 

− Precisas tomar jeito, ó pá! Como vou confiar em ti com tua vida torta? Pensas que não sei que és um drogado e gastas tudo que te mando com as prostitutas?

− Onde tu inventaste essa história? − Respondia o filho.

− Não interessa. Importa que sei.

E assim seguiam sem um contato cordial ou mais próximo.

Com a perda de sua mãe, José diminuiu suas visitas a Portugal, passando seu tempo em terra no país de sua mulher.

Criou amizades, fez boa vizinhança e ajudava a muitos.

Nunca negou-se estender a mão a quem lhe pedia ajuda. Era querido e respeitado.

Agora, estabilizado em terra firme, podia fazer o que tanto gostava: ter seus cães para cuidar. Chegou a cuidar de dezoito cães em casa, eram seus filhos, dizia.

Era feliz; mas a convivência diária com a esposa não ía muito bem.

Já com mais idade, se irritava facilmente  e isso se chocou com a extrema sensibilidade de Mara, sua mulher.

As brigas eram constantes e ele não economizava as grosserias.

− Vamos conversar, José. Desse jeito não estou feliz – dizia Mara.

− Ah, não? E por que não vais embora?

− Porque quero manter meu casamento e acho que se você quiser nós podemos viver bem.

− Estou é muito cansado de tanto choramingares. Já me chega ter passado metade da vida com os peixes.

A cada briga era o mesmo. 

Até que um dia ela aceitou a sugestão de ir embora e foi, para surpresa dele.

Vendo o carro de mudança em frente à casa, se assustou.

− Espera, onde pensas que vais?

− Estou indo embora como você vem sugerindo. Resolvi seguir seu conselho. Adeus! – Despediu-se ela sem muitas “choramingas.”

Inconformado, José tentou impedir. Ela não aceitou. 

Mara seguiu sua vida deixando-o para trás.

Ele ainda a procurou muitas vezes tentando uma reconciliação. 

Dizia que o trabalho duro por tantos anos dentro de um navio, o tinha deixado assim, nervoso e agitado.

Não convenceu Mara. Concordou então em serem amigos e aceitar uma separação amigável.

Acreditava de certa forma, que com o tempo a convenceria a mudar de ideia.

Isso não aconteceu e ele conformou-se.

Ficou sozinho com seus cães, mas não por muito tempo.

Reencontrou uma amiga a qual tinha ajudado no passado. 

Estreitaram a amizade, ficando ela ao seu lado, o ajudando e sendo ajudada. Uma troca justa.

Os anos correram rápidos, como corre para todos nós. 

A idade chegando e junto com  ela as doenças naturais da velhice.

José precisava de mais conforto e um atendimento médico melhor.

Acreditava não ser isso um problema, tinha seus investimentos em Portugal, pediria ao sobrinho que lhe providenciasse as remessas, uma vez que o dinheiro que tinha com ele havia acabado.

− Como estás, ó rapaz?

− Muito bem, amado tio!

− Escuta aqui ó rapaz, preciso que me mandes meu dinheiro para cá.

Estou mal das pernas e preciso disso.

− Mandarei meu tio. Só preciso de uns dias para retirar das aplicações.

O tempo foi passando e o caro sobrinho já não atendia mais suas ligações.

José, a cada dia ficava mais debilitado e incapaz de reconhecer alguém.

Vivendo apenas de sua pequena aposentadoria, começou a depender dos favores que plantou. Dos amigos que fez.

Embora não tenha ideia do que se passa ao seu redor, recebe o essencial para que sua vida não termine sem dignidade.

De tudo que viveu, não teve tempo de aprender muito com ela. Mas nos deixará uma grande lição:

Muitas vezes o erro está em nossas escolhas, na crença exagerada nas pessoas erradas, de que temos o controle de tudo e que somos eternos.

Aprendemos também, que uma semente plantada em terra fértil, um dia nos dará os frutos que matam nossa fome.

“Essa história é uma homenagem em vida a um amigo que muito plantou em nosso terreno.

Porque entendemos que depois que partirmos da terra, a melhor homenagem é a oração.”

E você, acredita que a semente que plantamos pode brotar um dia?

14 comentários:

Vida disse...

Com certeza!
A prova disso é a história desse homem que semeou lá no passado e hoje colhe seus frutos.

Lea disse...

Realmente, uma história que vemos todos dias. Uma história de muita sensiblidade. Que não esconde as falhas e as virtudes de um ser humano
comum e seu erro maior: acreditar nas pessoas erradas.
Mas também a sorte de plantar em terra boa.
Infelizmente, as vezes plantamos sobre predras.
Boa sorte, Seu José!

Lea disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

A história do seu Zé é a história de muita gente simples que não vê maldade nas pessoas mais próximas !!

Rochela disse...

Eu acredito mas concordo com a opnião de unknown que a história de Seu José é a de muitas pessoas de boa fé. Os espertos se aproveitam e nem sentem remorso. Ainda bem que ele encontrou gente digna.

Eduardo Chiarini disse...

Ah, seu José, como já dito nos comentários anteriores sua boa fé foi explorada por pessoas de má fé.
Por outro lado, seu comportamento, sua simpatia e ajuda aos amigos, mostrou que o que se planta, se colhe.
Muitas vezes em lugares onde não achamos que irá brotar.
Bonita história e muito comum desde que o mundo é mundo.
Parabéns ao blog.

Cecilia disse...

Seu José ainda bem que o senhor plantou em terra boa, recuperando
o que lhe foi tirado com sua boa credibilidade.
Fique triste não, Seu José, o senhor deixou uma grande lição.
Que seus dias sejam bons! Boa sorte!

Pauline disse...

Confiar na nos mais próximos, como família, as vezes nos da a falsa ilusão
de que estamos protegidos. Seu José ganhou mais ajudando os desconhecidos.
Desejo que tudo essa família se arrependa.

elkepoetisa@gmail.com disse...

Gostei muito, o desfecho é tocante e muitíssimo bem escrito.
Parabéns !!!

Navena disse...

Seu Jose uma dessas pessoas que ainda acredita que basta ter o mesmo sangue para ter o mesmo caráter. Hoje é agraciado pela própria generosidade que lhe vem de volta. Histórias assim nos faz pensar e nos emocionar. Que ele possa ter uma partida digna como foi sua vida.
Mando meu amor ao pessoal do blog que gentilmente compartilha lições
como esta.

Cida disse...

Seu José uma história que me comoveu, não só pela sua história,
mas por conhecer um caso muito proximo. Feliz os plantam em terra fértil
e seu José plantou. Pobre daquele que não encontram uma terra boa.
Desejo muita sorte ao seu José e benççaos aos que estão ao seu lado.

Steven disse...

Obrigado ao pessoal do blog por nos trazer sempre uma lição de vida.
Seu josé é uma dessas lições que marcam e nos emocionam.
A boa vontade sempre é recompensada, pelo menos em minha opinião que
acredito na continuação da vida em outra dimensão.
Portanto, acredito que a semente plantada pode brotar um dia.
Abraços a todos!

Renata disse...

Fiquei bem triste com a história de Seu José. A gente sempre acredita que a família é o lugar mais seguro. Mas fiquei feliz tambem que os amigos apareceram na hora que ele mais precisava. Tudo de bom para Seu José.

Observadores e atores da vida. disse...

Cinco Cantos agradece a visita e opinião de Vida, Lea, desconhecido(a), Rochela, Eduardo, Cecília, Pauline, Elke, Navena, Cida, Steven e Renata.
Nós também acreditamos que as boas sementes, em boas terras, frutificarão, assim como está acontecendo com Seu José, que se por um lado teve dissabores vindos de seus familiares, por outro recebeu as bênçãos plantadas com os amigos.
Agradecemos a todos e lembramos que as historias são reais.
Em breve nova historia.

Paixao.com

    “ Conheci um amor virtual, amor tão lindo quanto o real, sempre mando recados e depoimentos, mesmo distante tocou meus sentimentos.” ...