Júlio estava vivendo seus 68 anos. Filhos casados, aposentado, mas vivia sozinho depois que ficou viúvo.
Não se interessava por ninguém e se achava velho
demais para se envolver em uma aventura de amor. Na verdade, não acreditava
mais que pudesse despertar paixões e ser despertado por elas. Tinha desistido,
se acostumara a viver sozinho, achava cômodo.
Se entranhava cada vez mais na preguiça de não
enxergar o brilho que a vida tem quando se está envolvido com outra vida.
Júlio, visitava os filhos, os netos,
trocava carinhos familiares, e continuava vivendo uma vidinha mais ou menos,
sem perceber isso.
Começou a sentir-se velho. Sem animação
para comprar uma roupa nova, se pôr bonito para alguém, nem mesmo para
ele.
Para quê? Estou bem assim. Pensava.
Não, não estava. Quando ficava só com ele mesmo, se
perguntava o que lhe restava. Se envolvia em suas leituras e se alimentava de
literatura e filmes na TV. Não sabia bem para que tanto saber, tanto
conhecimento, se não tinha com quem dividir.
Os amigos, sabedores de sua obsessão pela leitura o
presenteavam com livros. Dentre esses muitos recebidos, encontrou um livro de
romance.
Ficou triste. Olhava para aquela história
como algo inatingível em seu caso. Nunca mais viveria um amor. Nunca mais
sentiria o prazer do gosto da paixão. O gosto de um beijo, o carinho quente de
uma mão atrevida.
É certo que tinha suas lembranças. Mas
essas ficavam cada vez mais distantes, mais apagadas.
Começou a sentir-se doente. Não tinha mais
a agilidade de antes. Já não queria fazer seus exercícios, ou aceitar o convite
de seus amigos para um jantar. Todos eles, na maioria das vezes estavam
acompanhados, e, quando sozinhos, era a mesma conversa que já cansara de ouvir.
Falavam de solidão, mentiam que estavam
bem e felizes. Ou falavam das mesmas lembranças.
Estava cansado. Iria ficar quieto com seus
livros e tentar viver o que já não o consolava mais.
Dormiu sem sonhar. Acordou cedo e
precisava sair, tinha um compromisso. O carro não funcionou. Usou seus
conhecimentos de mecânico e nada adiantava. Se aborreceu e resolveu pegar um
trem. Depois veria o problema do carro.
Na plataforma viu uma moça que lhe chamou
atenção. Alguma coisa que ele não sabia explicar. Será que a conhecia de algum
lugar? Não. Absolutamente não. Se a conhecesse não esqueceria.
Tentava evitar olhá-la, mas não se continha. Queria
descobrir o que era.
O trem chegou. Os dois entraram no mesmo
vagão. Júlio se pegava olhando para jovem. Ela sorriu como se o cumprimentasse.
Ele ficou tímido.
Descobriu que eram os olhos dela que lhe
chamavam atenção. Se sentiu perturbado. Desceu em sua estação com vontade
de continuar até ver aonde ela iria descer. Se sentiu idiota. Agradeceu a si
mesmo por não ter feito a bobagem.
A noite chegou e Júlio não conseguiu
voltar para sua rotina. Aqueles olhos... e se não bastasse, o sorriso. Que
diabos estava acontecendo? Quem seria aquela criatura?
A noite foi longa para aquele que sem
querer havia saído de sua rotina de solidão. Sentiu saudades de viver sem ser
incomodado, mas, ao mesmo tempo, uma força nova o estimulava.
Pensou em ir consertar o carro. Desistiu.
Quando percebeu estava na estação, no mesmo horário do dia anterior, olhando
aflito para cada pessoa que surgia na plataforma.
Se perguntava o que estava fazendo ali. Se
sentiu ridículo. Resolveu voltar. Tarde demais. A dona do par de belos olhos e
sorriso bonito estava chegando. Que loucura! O que fazer agora? Ir embora como
pensou? Fingiu que
lia um anúncio e esperou o trem. Entrou no mesmo vagão.
Viu a moça descer e lhe faltaram pernas para descer
também.
No dia seguinte fez a mesma trajetória: estação, moça, trem e vagão.
Com a diferença que desceu na estação em
que a jovem desceu.
Pensava consigo: sou um louco. Ela
vai me notar e “pensar” que a estou perseguindo. Vai chamar a polícia, serei
preso, algemado, e vou morrer na cadeia, velho e abandonado.
Precisava colocar um limite em sua loucura. Entrou no
primeiro bar que encontrou e pediu um café. Precisava de energia. Pediu água.
Precisa se acalmar também. Esqueceu o café. Colocou açúcar na água, remédio
caseiro de sua mãe. Ficaria bem, curado dessa loucura.
Quase ficou bom mesmo não fosse a moça entrar no mesmo
bar e pedir um café também.
Não tinha mais mesa. O bar, pelo horário,
estava cheio. A jovem olhou em sua direção. Júlio tentou se esconder em si
mesmo, mas não havia lugar nem fora nem dentro de si. Aquela desconhecida havia
ocupado todos os cantos.
Ela, gentilmente, pediu permissão para sentar-se à sua
mesa. Ele consentiu, obviamente. Ficou tão nervoso que se manteve de pé,
parado. Ela, muito falante, lhe perguntou se atrapalhava, e se ele não iria
sentar-se.
- Sim, sim... vou. Quer dizer posso? Ela riu do
desconserto dele.
- Claro! Disse ela. - A mesa é sua, eu é
que me intrometi. E já emendou uma conversa.
- Trabalha por aqui? Júlio mentiu. – Sim.
Trabalho.
Ela: - sei... onde?
Ele: - não sei...
Ela riu e disse: - eu sei que não sabe.
Talvez esteja procurando algo. O senhor não lembra de mim? Júlio meio sem
graça, disse que sinceramente não. Ela então disse que o conhecia da casa da
Amanda, amiga dela, filha do Seu Vitor da lojinha da rua de casa.
Júlio se sentiu envergonhado. Pediu
desculpa e se justificou mil vezes. A jovem disse que desculpava na condição de
no sábado ele ir no aniversário do Seu Vitor. Ela e Amanda estavam preparando
uma surpresa para Seu Vitor. Disse que Júlio poderia levar quem
quisesse.
Promessa feita, perdão concedido. O drama
era esperar o sábado.
Senhor - rezou ele -; -Hoje ainda é quinta-feira!!! Me tire dessa ansiedade,
afaste esses pensamentos. Por que eu prometi?
- Eu sou um covarde. Um
louco. Não sei o que estou fazendo. Ela deve estar contando para sua amiga e
rindo de mim.
Lembrou da promessa, da festa, da roupa
apropriada que não tinha. Estava gordo, precisava perder peso até sábado. O que
fazer? Consultava desesperado todos os sites de como perder peso em uma semana.
Uma semana! Muito tempo. Precisava de uma solução mais urgente.
Perguntaria à sua nora. Ela, muito
vaidosa, saberia lhe dar uma receita.
- Perder peso? O senhor que perder peso
seu Júlio? Mas o senhor está tão bem.
-Jura? Você acha mesmo? É que ando me
sentindo cansado. As roupas não cabem bem...
- Ah, seu Júlio, tá na hora de o senhor
comprar umas roupas novas. Tirar esse pijama feio, fazer caminhada, comer
salada...
Isso! Era isso! Iria caminhar o dia inteiro e comer
apenas salada até sábado. Não! Até o fim da vida. Chega! Preciso me cuidar –
pensou.
Partiu para sua caminhada sem tirar de seu
pensamento os lindos olhos da jovem, jovem Marina. Sim, agora ela já não era
apenas um belo par de olhos com um sorriso bonito. Tinha nome, endereço e
estava ali, pertinho dele.
Marina... pensava alto - Que
nome lindo!
Pediu ajuda à sua nora para comprar umas
roupas novas. Ela, que adorava comprar, aceitou na hora o desafio. – Vou lhe
tornar o homem mais bonito da festa, seu Júlio, o senhor vai ver.
Sábado. Chegou a hora!
Vestiu todas as roupas novas uma a
uma. Nada parecia digno de Marina. Como estaria ela? Certamente linda. Não
precisaria de muitos enfeites. A natureza lhe foi generosa.
Júlio estava pronto. Não tinha certeza se conseguiria
chegar até a casa do amigo Vitor, seu coração pulava. Talvez não resistisse à
emoção. Ou talvez não resistisse ao desprezo de Marina. Ou talvez... espere! E
se ela estiver com o namorado? E por que eu estou aqui imaginando coisas?
Será que passa pela minha cabeça que uma mulher jovem, bonita, vai estar
sozinha?
E, se estiver, vai se interessar por mim? – Júlio, seu louco!
Volta para seu pijama. Se tranque em casa e não saia de lá nunca mais!
Ouviria a voz da razão. Deu meia volta.
Não deu tempo. Marina o viu e gritou: Júlio!
Fechou os olhos, e fez sua última oração:
- Senhor, seja feita a sua vontade...
Marina o pegou pela mão e entraram na casa
do amigo Vitor que seria surpreendido logo em seguida. Marina lhe ofereceu uma
bebida. Júlio tomou de uma só vez.
Começou a festa. Seu Vitor muito feliz. Marina sozinha
se divertia e dançava, fazendo Júlio se prender ainda mais com tanta alegria.
Por momentos esqueceu sua idade. Dançou, brincou, riu, fez o que nunca fizera
antes sem se importar de estar sendo ridículo ou não. Pouco importava. Queria
viver aquilo, nem que fosse pela última vez. Não Foi.
Depois da festa, já pela madrugada,
sobraram ele e Marina. Cada um falando de si, de suas dores, suas alegrias,
suas vontades...
O dia estava nascendo. Os dois sentaram no chão, na
rua mesmo, para assistir o lindo espetáculo da natureza.
Ela se acomodou nos braços de Júlio que sentia a
alegria de viver aquele momento que se repete sempre que os dois saem para festejar
na noite.
Idade? Quem falou em idade? Nós estamos
falando de felicidade!
“Existe somente uma idade para a gente ser
feliz […] Essa idade tão fugaz na vida da gente chama-se PRESENTE e tem a
duração do instante que passa.”
Mário Quintana
E você, concorda com o poeta Mario
Quintana?
17 comentários:
Não há como não concordar, felicidade não tem idade mesmo, viver e conviver e ser feliz, isso sim é o que importa!!!!
Adoro Mário Quintana !!
Quem não concordar, não tem idade para viver grandes emoções. Cada dia que vivemos o amor, mais constatamos a força que temos. Vivemos e saboreamos o conto em cada respiração ofegante do Júlio. Lindíssimo
Amor é desordeiro. Não obedece a nada nem ninguém. Chega, se aloja e toma conta de tudo. Confesso que estava com medo de Julio sair correndo.Perder a chance de ver o sol nascer com a Marina. Para que pensar em idade se a felicidade não nos cobra isso?
Lindo fechamento com Mario Quintana que confirma que felicidade é agora!
Quase fui arrancar o Julio e levá-lo pra festa. Felicidade
não tem preço e nem idade. Tem mesmo que se entregar aproveitar
o feliz Conselho de Mario Quintana. Vamos ser feliz e esqueçam essa bobagem de idade! Ariba, Julio!
Tem muita gente que precisa conhecer Julio. Acordem, o tempo passa e a felicidade não espera por ninguém. Idade não tem nada a ver com a vontade de ser feliz. Mario Quintana fechando lindamente!
Felicidade não tem idade. Tem que ter coragem e não prestar atenção em quem se conforma com "uma vidinha mais ou menos". Ningém vive a vida da gente.
Parabéns, Julio e Marina que estão vendo o nascer do sol agarradinhos.
História lindíssima!
Amei, literalmente esta historia!!
Por todos os seus detalhes. Pelos sentimentos, pelos momentos...
Linda.
Parabéns Cinco Cantos, sempre encantando a gente.
Sim. E o presente é AGORA, então vamos viver.
Concordo totalmente. O presente é agora e idade é o momento.
História que me prendeu.Júlio quase me mata. Ainda bem que Marina
é do time de Mário Quintana!
Tem que concordar. Não fosse um olhar no presente, o Júlio
estaria em seus pijamas. História envolvente que não tem
como esconder torcida. Feliz pelo Júlio que segurou o momento.
Parabéns aos Cinco Cantos que escolheu tão bem a história.
Concordo totalmente. A vida passa tão depressa!
Essa história mostra o tempo que o Júlio perdeu.
Eu fiquei encntada como ele reagiu.
Parabens ao Júlio e a Marina, grande responsável
pelo nascer do sol.
Obrigada ao pessoal do blog a quem mando meu amor.
The story is beautiful and touching. I’m so happy for Julio and Marina going forward into their new life together!
Today is the day the Lord gave to us! Let’s enjoy!
Cinco Cantos agradece a visita e as opiniões de Mantoliva, desconhecido(a), Tobias, Lea, Mical, Pauline, Cecilia, Eduardo, Vida, Ione, Steven, Navena e July, nesta bonita historia de amor, que nunca tem idade, como diria o poeta Mario Quintana.
Em breve novas historias reais.
Agradecemos a todos.
Cinco Cantos thanks the visit and the opinions of Mantoliva, unknown, Tobias, Lea, Mical, Pauline, Cecilia, Eduardo, Vida, Ione, Steven, Navena and July, in this beautiful love story, which is never old, like would say the poet Mario Quintana.
New real stories coming soon.
Thanks to everyone.
Que lindo demais ! Gratidão pela partilha! Parabéns pelo Blog , por deixar o mundo um lugar melhor !
Cinco Cantos agradece a visita e a opinião de Carmem.
Ficamos muito felizes pelo seu comentário, que muito nos motivou.
Cinco cantos agradece e informa que já temos historia nova.
Será um prazer recebê-la.
Concordo com Quintana - idade e um numero. A idade do corpo e a idade da mente nao sao sempre o mesmo numero. Esquece a idade - vamos la, felicidade!
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