sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

Dona

 


Mesmo nessa época de pós-modernismo em que vivemos, as mulheres ainda encontram barreiras para impor seus direitos e vontades.

Você pode imaginar há 70, 80 anos? Vamos calcular que tudo era cem vezes mais complicado.

Mas, os sonhos das meninas de hoje são os mesmos das meninas de ontem. 

Se rebelar tinha um preço e poucas tinham a coragem de pagar por ele.

Nossa história vai nos contar sobre uma menina corajosa que ousou não apenas sonhar, mas ir atrás de tudo que pensava existir. 

Só pensava, não tinha certeza. Mas era demasiadamente inteligente e observadora, e dizia a si mesma que certamente havia um mundo maior do que a vila em que morava.

A família era pobre mas não lhes faltava o essencial.

Não era dinheiro o que Ágata almejava. Era bem mais. Ela queria conhecer o mundo que vivia em sua imaginação. 

Queria saber ler, ler os livros que o padre lia na missa.

Decidiu que iria aprender a ler, e era com ele mesmo, o padre!

Um domingo, depois da missa o procurou e falou de sua vontade de aprender a ler. Disse que tudo que sabia era que tinha que juntar as letras. 

O padre ficou meio surpreso, mas diante da determinação da jovem, lhe disse que no final da tarde passaria em sua casa, e se os pais permitissem, poderia começar a lhe ensinar algumas letras.

A alegria foi imensa depois do que ouviu. Deu vontade de abraçar o padre, lembrou que era pecado, mas lhe beijaria a mão, dez, cem, mil vezes...

O padre, amigo de todos na vila, cumpriu o prometido. Na hora do cafezinho estava lá, saboreando o bolo fresquinho e o café feito na hora.

Com todos sentados na sala, o padre mostrou como iria ensinar a Ágata. 

Iniciariam aprendendo as letras de A a Z e depois iam juntar uma a uma e assim por diante. O padre se despediu e disse que no outro domingo viria ensinar mais.

Ágata agradeceu. — Precisa mais não padre, agora eu sei como é que faz. Vou quebrar a cabeça e até domingo eu quero ler umas letras.

Todos riram do disparate da jovem. Mas não acreditaram quando ela, mesmo devagar, letra por letra leu sua primeira palavra: D-e é De u-s é us = Deus

Saiu correndo e repetindo: − Deus! Deus! Deus! Eu sei ler, Eu sei ler,  minha gente!

Se sentia grande, dona do mundo. Já sabia ler, estava na hora de ir para a capital.

Falou com os pais e quase apanhou. 

— Está maluca? Quer virar mulher da rua? Deixa de bobagem e te aquieta. Tu vai é lavar roupa amanhã cedo junto com tuas irmãs.

— Pensando o quê? -Disse seu pai com o aval da mãe. 

 “Que tristeza! Esse povo não entende nada. Também, não sabem nem ler como eu” – Se queixava sozinha.

No rio, lavando roupa com as irmãs, conversava com outras amigas de destino parecido. Cada uma contava suas vontades, e uma das amigas comentou que os patrões iriam morar na cidade grande, quem dera ela pudesse ir também, mas não podia, os pais não deixavam.

Ágata, atenta, não deixou passar essa novidade. Correu até a casa dos patrões da amiga e perguntou:

— É verdade que vocês estão indo morar na cidade grande?   

— Sim, é verdade. Por que? – Perguntou a patroa da amiga.

— Porque eu queria muito ir morar na cidade grande, trabalhar por lá, a senhora não precisa de uma ajudante? Sei fazer de um tudo, e até sei ler, disse orgulhosa.

A mulher se interessou, disse que iria pensar e achou a ideia boa. Falou com os pais de Ágata, que concordaram, pelo prestígio que a senhora tinha e o dinheiro que ajudaria na casa.

Na cidade, tudo parecia como nos sonhos de Ágata. Grande e bonito. Se empenhou nos afazeres da casa e conquistou a patroa. 

Tudo que quebrava na casa Ágata consertava.

Consertava as roupas das crianças, dava jeito em tudo.

Virou cobiça das amigas da patroa que pediam Ágata emprestada para arrumar as coisas consideradas perdidas.

Não demorou e ela começou a estudar costura. Em pouco tempo era uma costureira muito procurada.

Logo encontrou um namorado. Casaram e tiveram duas filhas. 

Ágata já tinha sua estabilidade e algum dinheiro guardado, quando o marido, que não se mantinha em nenhum trabalho por muito tempo e sabendo dos sonhos da mulher, falou que ela ganharia muito mais e ele também se fossem para uma cidade maior. Isso o ajudaria.

Propôs à Ágata de ir primeiro. Se estabeleceria e depois viria buscá-la com as crianças. A proposta pareceu interessante e ela aceitou. Deu suas economias ao marido e começou um novo sonho.

As notícias vindas do marido eram boas. Tudo estava às mil maravilhas e em breve iria buscá-la.

Passados dois anos da promessa, a espera se tornou incômoda. 

Justamente Ágata, dona de uma cabeça que não parava de girar e pensar. 

Achou estranho, e como nunca esperou as coisas virem até ela, resolveu ir conferir as promessas do marido. Já que estava tão bem.

Foi e chegou de surpresa. O marido quase morreu. Estava na companhia de outra mulher; a quem Ágata mandou ir procurar o que fazer. 

Ela era destemida e impulsiva, não tinha medo de nada. 

A conversa com o marido não foi boa, e alí ela percebeu que errara acreditando nele. Mas, estava disposta a recuperar o tempo perdido.

Começou sua busca. Ele a chamava de analfabeta, dizia sempre que tinha vergonha dela e muitas outras ofensas que só a estimularam mais ainda.

Não tinha vergonha de sair de porta em porta mostrando seu trabalho, acompanhada das duas filhas, porque não tinha com quem deixar.

Não demorou e fez amizades, gente boa nesse mundo de Deus ainda tem − dizia ela. 

O seu trabalho era tão perfeito que logo conseguiu emprego numa loja de noivas. Era especialista em roupas de noivas e seus  adereços.

O marido sempre tentando administrar o dinheiro da mulher, mas, ela, absoluta e determinada, decidiu cuidar de si e de suas meninas.

Ele não trabalhava e as brigas eram constantes e acaloradas. Ágata, pelo seu temperamento, perdia o controle fácil. 

Um amigo do marido notou essa nuance em sua personalidade e aconselhou o amigo a provocá-la e assim pôr em prática um plano de interná-la como louca. 

Ele ficaria com as crianças e com o que Ágata havia conquistado com seu trabalho.

Tudo pronto. O plano foi posto em prática, e ele a provocou ao seu limite. Ágata perdeu o bom senso, quebrou coisas, ameaçou o marido, falou tudo que lhe estava guardado dentro de si.

A ambulância a encontrou assim e a levaram para o hospital. Enquanto mais ela se indignava, mas a tinham como doente.

Já mais calma, intuiu que estava fazendo o jogo errado. Que deveria lutar sim, mas com a arma que sempre lhe ajudou: a inteligência.

Já estava no hospital psiquiátrico há quase dois anos, não havia recebido nenhuma visita das filhas, só notícias dadas pela médica. 

Dos remédios não tomava nenhum. Precisava de sua lucidez e de sua mente tranquila. Sabia que não seria fácil, mas tinha certeza que encontraria uma forma de provar sua sanidade.

Cada dia mostrava-se mais calma. Em suas visitas à médica, passava a tranquilidade que precisava demonstrar. A médica a elogiou, ficou orgulhosa do tratamento que havia ministrado e ela só concordava, garantido a vaga no grupo de terapia ocupacional.

Era tudo que ela queria!

Em uma das visitas ao grupo, a médica se aproximou de Ágata para saber de seu desenvolvimento. Ágata disse que precisava lhe mostrar algo.

Tirou da sacola vestidos de noivas em miniatura e lhe perguntou:

— Doutora, o que a senhora acha disso? - a médica encantada com o que via, disse que era uma obra de arte.  — Uma pessoa louca seria capaz de fazer isso que a senhora chama de obra de arte? – Questionou Ágata.

A médica olhou para ela e perguntou o que ela queria dizer. 

— Estou dizendo que fui eu que fiz. Que tenho feito isso por muitos anos e esse é meu trabalho. Gostaria muito que a senhora ouvisse minha história. A médica a chamou até o consultório e a ouviu. 

Disse que acreditava nela mas lhe deu um desafio maior para ter certeza de que ela mesma havia feito o que lhe mostrara.

O desafio foi cumprido com louvor, e Ágata não só ganhou alta do hospital psiquiátrico, como também ganhou uma aliada na luta que começaria para reaver suas filhas e sua vida.

Ágata olhou o tempo perdido como aprendizado, se conheceu melhor e valorizou pequenas coisas.

A gana por lutar pelo que queria só aumentou. Depois de uma batalha judicial teve suas filhas de volta, seus direitos e o seu trabalho que tinha sido interrompido no meio do caminho. 

Ágata descobriu ser verdade um mundo maior do que a vila em que morava quando criança, maior até do que ela mesma.

Descobriu-se Dona de si. 

Descobriu que os sonhos não estão apenas na cabeça da gente, mas também na palma de nossas mãos.

E você, onde estão seus sonhos?

18 comentários:

Lea disse...

Uma força incrível dessa mulher. Temos isso sim, esse poder de nos reinventar.
História linda de persistência. Ótimo exemplo de coragem, a coragem de sermos Donas de nossos sonhos. Parabéns Cinco Cantos!

Tobias disse...

Maravilhoso! A conquista, a força na luta pelo espaço que Ágata, sabia merecer.

dinah disse...

Muito lindo, emocionante

Vida disse...

Que história inspiradora!
Os meus sonhos estão logo ali.

Pauline disse...

Uma história marcante e inspradora. Ágatha repreenta nossa força e nossa coragem. QUantas vezes temos que nos reinventar? Gostei a forma que ela deixa pra trás as quedas e segue adiante. Boa sorte sempre, Ágatha!

Navena disse...

Àgatha, sem perceber, sempre soube que os sonhos estavam na palma de sua mão.
Soube ir atrás. Lutou, perdeu, ganhou, caiu e se levantou de forma
extraordinária, usando a sua inteligência. Nós mulheres, sabemos que nossos sonhos estão em nossa força. Parabéns, ao pessoal do blog. Mando meu amor a vocês!

Steven disse...

Tiro o chapéu para a coragem das mulheres. A história de Ágatha é uma confirmação do quanto as mulheres são capazes de se reeguerem.
Existe uma força mágica que as conduzem de um modo fascinante!
Feliz o homem que tem uma mulher ao lado, sustentando suas fraquezas.
Os meus sonhos estão nas mãos de minha amada mulher desde sempre, sem medo!

Pantera2012 disse...

Quanta sabedoria e superação.
Ensina os com seu exemplo e conduta.
Parabéns pelo conto tão lindo que dá suporte a todos que anseiam por começar vida nova.
Amei🙌🏻🥰💖

Eduardo Chiarini disse...

Belíssima história, que a mim comprova, um sentimento que tenho sobre o poder e a força das mulheres em geral.
No caso especifico Ágata demonstra isto em duas oportunidades, a primeira quando resolve ir atrás do seu sonho de um mundo maior, através da leitura e do trabalho; e a segunda quando supera enormes dificuldades da vida, de forma sublime e com muita inteligência.
Parabéns ao pessoal do blog.

Alecrim disse...

Uma ótima história. Muitas pessoas provocam outros até o limite com o objetivo de fazer deles loucos. Por isso, é bom tentar agir de cabeça fria sempre. Muita gente quer que percamos a razão para que elas tenham razão. Gostei muito, obrigada pelo texto!

elkepoetisa@gmail.com disse...

Belo e reflexivo ! Parabéns 🌻

Cecilia disse...

Linda história de superação e coragem!

Ione M. disse...

Soube usar as armas que tinha. Se superou e venceu.
Uma história que serve de exemplo e incentivo.

Observadores e atores da vida. disse...

Cinco Cantos agradece a visita e a opinião de Lea, Tobias, Dinah, Vida, Pauline, Navena, Steven, Pantera, Eduardo, Alecrim, Elke, Cecilia e Ione.
Uma história de superação e inspiração no sentido de buscarmos sempre nossos objetivos e sonhos.
Lembramos que as historias são reais e que em breve publicaremos mais uma.
Contamos e agradecemos a presença de todos.

Jorge Alexandre Saes disse...

Agradeço o convite p participar deste lindo espaço.
Homens e mulheres livres, sempre.

Alex disse...

Very inspiring! Everybody dreams...but not everybody has the strength to chase after those dreams to make them come true. I believe we all have this ability within ourselves - to go farther, to do more, to be brave...I hope Agata's daughters took an example in their mother and grew to be just as strong and resiiient!

Observadores e atores da vida. disse...

Cinco Cantos agradece a visita e a opinião de Jorge e Alex.
Ágata tem uma historia inspiradora e se supera em diversas ocasiões, indo atrás de seus sonhos e projetos sem se deixar abater.
Lembramos que as historias são reais e convidamos para a leitura de nossa nova historia " Até que PARA SEMPRE nos separe".

Cinco Cantos thanks Jorge and Alex for their visit and opinion.
Ágata has an inspiring history and surpasses herself on several occasions, going after her dreams and projects without letting yourself down.
We remember that the stories are real and invite you to read our new story "Até que PARA SEMPRE nos separe".

Anônimo disse...

Chocada por ela não ter desistido de tudo. Incrível história de superação e vitória

Paixao.com

    “ Conheci um amor virtual, amor tão lindo quanto o real, sempre mando recados e depoimentos, mesmo distante tocou meus sentimentos.” ...