quinta-feira, 18 de novembro de 2021

Um Conde de rua.

 


Algumas vezes olhamos para as pessoas tentando adivinhar suas vidas, seus pensamentos, seus motivos, suas atitudes, algum comportamento ou algo que nos chama atenção.

Outras, nem ao menos nos interessamos em olhar, são os invisíveis, pessoas aparentemente sem uma história que desperte curiosidade.

Se você em algum momento teve essa moeda na mão, vamos contar os porquês de um personagem muito especial, e mais de um outro mais especial ainda que fez a diferença em sua vida.

Um personagem que só será percebido por aqueles que tem uma sensibilidade para enxergar um movimento simples, e ouvir o silêncio.

Madrugada de sábado. Um grupo de adolescentes vindo de uma festa, resolveu completar a diversão espancando um morador de rua que dormia encostado em seu canto feito quarto que escolhera para aquela noite.

Os jovens batiam no homem até que ele acordou assustado.

Xingavam e chamavam-lhe de vagabundo, desocupado, que estava "enfeiando" a rua.

Este, não teve alternativa a não ser encostar-se à parede e esperar o pior. Não tinha força e nem coragem para enfrentar o seu fim que parecia ter chegado.

Rendeu-se passivo.

Foi surpreendido pelo rosnar de um cão que pulou sobre os agressores enfrentado as feras, sem medo, sem arma, apenas com sua coragem e senso de justiça.

Acompanhou os fugitivos covardes até os perder de vista, deixando o defendido sem palavras e sem ação.

De onde viera aquele cão tão valente, com tanta força? Como gostaria de lhe dizer obrigado  − Pensou o homem.

Machucado, sentou-se no em seu chão com a lembrança boa de ter sido defendido, protegido por “alguém” – sim, porque o seu defensor era alguém a partir daquele momento − que finalmente se importara com ele.

Ainda nesses pensamentos foi surpreendido com a chegada de seu herói. O abraçou e fez festa. Chorou de alegria, coisa que havia muitos anos que não sabia o que era. Conversou com ele, fez perguntas, todas com resposta que só ele entendeu.

Perguntou seu nome, sua raça, se tinha família... e lhe disse que se nao tivesse  estava convidado a ficar.

O cão deitou-se ao seu lado como que aceitando o convite. O homem apresentou-se:

Me chamo Heitor. Também não tenho família, um dia tive, mas perdi. Só me restou o agora, e as calçadas generosas das ruas e este céu que me cobre seja de que jeito estiver.

Um dia já me senti importante continue Heitor Hoje sou uma pessoa apenas. Vamos escolher um nome para você. Precisamos ter intimidade, nos conhecermos melhor, ter uma identidade. Sei que muitos vão lhe chamar de cachorro sem dono, vira-latas, coisa que você não é. Nota-se pelo porte e pela coragem dos fidalgos. Chamarei você de Conde. Serei seu amigo como você foi meu amigo.

Nascia uma amizade,  um companheirismo.

Mudavam de bairro quando estavam cansados do mesmo lugar, queriam aventura. A vida agora fazia sentindo. Heitor tinha com quem conversar.

Acamparam numa praia e Heitor resolveu abrir o coração e contar sua história ao Conde. Eram amigos, e ele precisava saber dos motivos que o levaram até uma casa sem teto.

Se emocionou no princípio. Já nem lembrava direito há quantos anos sua vida mudara. Tinha as lembranças escondidas, algumas até apagadas de tanto evitá-las.

Começou contando que já teve trabalho, tinha junto com sua mulher, uma pequena floricultura, apenas com um funcionário. Adorava flores e aquele trabalho era compensador pela beleza e pela alegria que dava às pessoas.

Contou que era loucamente apaixonado pela esposa e todos os dias a presenteava com as flores mais bonitas quanto chegavam. Eram felizes e tinham um filho de 10 anos. Uma família completa.

Depois de alinhar as flores e presentear à sua paixão, orientava o funcionário e levava o filho à escola. Tarefa que fazia com amor.

Um dia depois de deixar seu filho na escola, começou a sentir-se mal. Uma dor no peito, uma agonia, falta de ar e um suor que lhe cobria o corpo. Encostou o carro, parou um taxi e pensou em ir ao hospital. Se sentia tão mal que tinha certeza da morte.

Decidiu ir para casa, morrer ao lado de sua mulher, talvez tivesse tempo de lhe dizer o quanto a amava e que cuidasse bem do filho.

Chegando em casa, entrou com dificuldade. A mulher deveria estar dormindo ainda. Era cedo e Heitor a enchia de manhas a deixando dormir até mais tarde. Foi até o quarto. Queria se jogar na cama e falar com ela pela última vez.

O que viu doeu mais que o mal-estar que sentia. Ela estava em sua cama com outra pessoa. Ele não conseguiu ver mais nada. Só se lembra que saiu gritando de desespero e desmaiou.

Acordou não sabe quanto tempo depois em um hospital. Estava só. Alguém entrou, provavelmente uma enfermeira e lhe perguntou como se sentia.

Não respondeu. Virou o rosto e parecia que a cena que presenciou havia sido um pesadelo. Fechou os olhos. Foi avisado de que um médico viria vê-lo logo.

Levantou-se, se vestiu e saiu sem alarde.

Conde parecia entender a narrativa de Heitor, mas dava sinais de fome. Heitor despertou para sua responsabilidade de alimentar o amigo, coisa que não havia feito com seu filho. Chorou, se doeu, remoeu a dor de seu egoísmo, o abandono de seu querido filho que agora já era um rapaz.

Prometeu a Conde que iria tentar saber do filho e lhe mandar uma carta lhe pedindo perdão pela covardia. Chegar perto não teria coragem. Seria chutado certamente.

Secou as lágrimas e foi providenciar alimento para seu amigo protetor.

Conde andava devagar. Já estava velho lhe doía as juntas. Muitas vezes Heitor precisava carregá-lo.

Chegaram em outra cidade. Conde, em seu silêncio, reclamava de dores. Heitor se arrependeu de ter cultivado uma vida miserável que agora não lhe dava a chance de cuidar de seu amigo.

Em muitos anos, rezou. Não pediu por ele, pedia por Conde. Fez um acordo com Deus: trocava sua vida mesmo sem valer muito, mas era a única coisa que tinha, pela vida de Conde. Ou por um milagre que lhe tirasse as dores.

Procurou uma clínica veterinária e encontrou não muito longe. Se encheu de esperança. Iria lá, explicaria a situação de seu amigo e a sua.

Limparia o chão, qualquer coisa em troca de um remédio para Conde.

O veterinário o ouviu e falou com Conde, parecia que ele também entendia a linguagem dos cães. Mesmo olhando desconfiado para Heitor, disse que lhe daria o medicamento e que isso o faria sentir-se bem, mas que depois ele saísse.

O Veterinário chamou seu assistente e pediu que lhe trouxesse o remédio. O moço veio com o remédio. Heitor ia saindo e o moço pediu que esperasse.

Espere, pai!

Heitor quase morreu de susto. Não o reconheceria nem em mil anos. Um rapaz feito, bonito, diferente do trapo que Heitor era agora.

Heitor, baixou a cabeça. Não tinha saída. Precisava encarar sua vergonha diante de quem pagou pelo que não devia.

O filho foi para abraçá-lo, Heitor tentou escapar Não faça isso Pediu Heitor.

O filho não o escutou.

− Não, pai, você não vai fugir pela segunda vez. Nós dois vamos cuidar de seu amigo, agora meu amigo também.

A aparência suja e relaxada não impediu o abraço, fechando o círculo de dor e abrindo as portas de uma nova vida.

Heitor abandonou tudo.

Mas a vida o fez reencontrar o que mais importa.

E você, o que acha disto tudo?

19 comentários:

Cecilia disse...

Fiquei emocionada e posso entender a força que Conde deu ao Heitor.
Só quem tem um bichinho amado desse sabe como eles nos estimula a ser feliz.
Obrigado Cinco Cantos. Linda História, embora desejasse que Heitor não tivesse deixado o filho.

Tobias disse...

Emocionadissimo! Faz a gente refletir na vida como um baita ensinamento. A prova que o amor é capaz de se superar, nas mais diversas situações. Heitor amava tanto a esposa, que o tanto transbordava até o conde, que o levou ao encontro da continuação do amor com o filho. História linda. Parabéns!

Pauline disse...

Lindo demais esse encontro de Heitor e o Conde. O amor de Conde o levou de volta ao amor de seu filho, adormecido pela dor.
Comentário perfeito de TOBIAS. É isso! Emocionada!

Lea disse...

Levado de volta às suas raízes por um amor puro, sincero, amigo, que não trai, não abandona, não arreda o pé. Um amor incondicional que defende, protege e guia.
O que dizer de Conde? Amigo verdadeiro, como poucos humanos sabem ser.
Heitor despertado em sua essência de amar, só quem ama conhece essa trilha e Conde conhece muito bem! Parabéns Cinco Cantos.

Eduardo Chiarini disse...

Belíssima historia. Emocionante e profunda em seus ensinamentos sobre o poder do amor e da compreensão.
Parabéns Cinco Cantos por mais uma história plena de sentimentos e de profundidade.
Abraços a todos ai.

Rochela disse...

Amo os animais e sei que é assim mesmo. Eles nos defendem, dão carinho e escuta. Tem uma força bonita que faz igual Conde fez, levou Heitor até aonde a saudade batia. Fiquei muito emocionada quando ele voltou e ficou com o novo amigo. Parabéns para essa história de amor verdadeiro.

Carmen Eugenio disse...

Os cães são anjos na terra. Conde veio para conduduzir o amigo de volta ao seu filho, de volta ao verdadeiro amor. Que história linda e emocionante. Obrigada pela partilha! O amor é a cura para todas as dores do mundo! Físicas, emocionais e espirituais.

Alecrim disse...

Uma lição de vida. Para cair basta está em pé. Todos somos frágeis, por isso precisamos ter coragem de abrir espaço para os outros.

Vida disse...

Mais uma vez que história!
Heitor não tinha como resolver o passado, pois o que aconteceu era fato, mas teve como modificar o seu presente tendo o Conde que impulsionou o seu futuro em reencontrar o filho de uma maneira surpreendente.

TiaoRiviera disse...

Um conto bem contado. Mantive a curiosidade durante toda a leitura. Final surpreendente e cheio de emoção.

Maria Rocha disse...

Uma boa REFLEXÃO! O Perdão do filho, o carinho do Heitor pelo Conde, através do carinho, buscou tratamento para o Conde, encontrou o filho que ficou... A lei da vida, "Perdão"!

Lindo, emocionante!

Unknown disse...

Linda e emocionante história, com um final surpreende. Parabéns!!
Abraços!
Mara Lúcia Didonet

Unknown disse...

* surpreendente

Ione Maria disse...

Vi o meu CHICO em Conde! Quanta dedicação e companheirismo!Chico também me levou de volta a um momento especial que mudou minha vida.
Sorte de Heitor. Obrigada por compartilhar uma hisória tão bonita e com tanta emoção!

Navena disse...

Heitor se levantando pelas patas de Conde, encontrando uma nova vida caminhando ao seu lado e redescobrindo o amor através desse amigo.
Não tem como não se emocionar. Quem conhece o amor dos cães sabe que eles fazem assim, percorrem esse caminho que nos leva a acreditar na emoção e na amizade sem limites. Parabéns ao pessoal do blog por compartilhar essa história que nos ensina tanto. Mando a vocês o meu amor.

Steven disse...

Os cães são companheiros de emoção. São muitas as experiências vividas por mim e minha familia com essas criaturinhas que o Eterno nos presenteou.
Há um mistério nesse amor que não pede nada em troca, a não o poder ficar perto e compartilhar conosco de nossos sentimentos.
Historia de emoção e grande lição para nós, "humanos."
Parabéns ao pessoal do blog. Abraços.

Observadores e atores da vida. disse...

Cinco Cantos agradece a visita e as opiniões de Cecília, Tobias, Pauline, Lea, Eduardo, Rochela, Carmem, Alecrim, Vida, Tião, Maria, Mara, Ione, Navena e Steven.
Os cães, assim como outros animais, como os gatos, tem uma percepção surpreendente de nossas emoções "humanas".
Não exigem nada em troca do carinho e da dedicação que nos ofertam.
Uma grande lição de vida.
Lembramos que as historias são reais e em breve publicaremos uma nova historia.
Agradecemos novamente.

Mical disse...

que linda história de amor perdão e reconcialiação com o passado
que nunca fpassou, apenas ficou para trás. Um filho, um pai nunca se esquecem. Um amor maravilhos do Conde, paciente e companheiro.
Que apareçam mais "Condes" na vida de pessoas como Heitor.
Grata ao blog por dividir com a gente.

Anônimo disse...

História emocionante

Paixao.com

    “ Conheci um amor virtual, amor tão lindo quanto o real, sempre mando recados e depoimentos, mesmo distante tocou meus sentimentos.” ...