sexta-feira, 2 de setembro de 2022

Borboletas de Ouro...


 

As flores brotam em lugares e em tempos mais improváveis.

Assim é o amor.

Em meio à pedras, dificuldades e até mesmo uma guerra, ele surge e nada o pode deter.

Há os que acreditam no milagre do amor e há os que pagam para ver.

Nossa história, é uma história de flores nascidas entre pedras, em meio à dificuldades e ao som de bombas.

Uma história real, que o tempo tatuou na memória de quem a viveu para hoje nos contar, e não precisa acreditar ou pagar para ver, ela simplesmente aconteceu.

Muitos, por que não dizer todos, já conhecem o seu fundamento.

Judeus espalhados por toda parte do mundo mesmo antes do holocausto, tentando fugir de uma perseguição por serem apenas o que eram.

Dentro desse caos, muitos tentavam viver uma vida normal, sem no entanto deixarem a incerteza do amanhã.

Ewa e Janel, um casal desse grupo, tentando viver sua vida normal.

Formados dentistas, casaram depois de suas formaturas numa cidade da Polônia.

O filho, George, chegou logo, e sem pedir licença e sem se preocupar com o mundo, ou esperar um momento mais oportuno.

Apesar do inesperado, a felicidade de ter um filho renovou a alegria e a vontade de viver de Ewa e Janel que já viviam a ameaça da guerra.

Não muito longe dali, um outro jovem casal Annink e Oton experimentavam a mesma surpresa: recebiam seu bebê, o que fez o amor dos dois se fortalecer ainda mais.

A chamaram de Eiréne, que significa paz, em grego.

Os dias passavam e as dificuldades aumentavam, mas isso não impediu os jovens de ingressar numa universidade.

Aos 17 anos, George seguiu os passos dos pais, estudando odontologia, queria ser dentista, assim como eles eram, mesmo sem a certeza do futuro.

Encontrou em sua classe uma menina também judia que lhe roubou os sentidos.

Não pode estudar naquele dia. Sua mente ficou na jovem que tinha um sorriso largo e cativante.

Passou a planejar um meio de se aproximar dela, já que era tímido ao extremo, apesar de ter um senso de humor refinado , porém discreto.

Pensou em fazer uma brincadeira, mas se conteve. E se ela não gostasse e o achasse inconveniente?

Fez um bilhete para ela.

"Prezada colega desconhecida, me perdoe, mas me parece que ainda não sei seu nome. Penso que você também ainda não sabe o meu. Nesse caso, me apresento: sou um bobo, um tolo chamado George que ainda não sabe como atenderá seus pacientes por ser tão bobo e sem coragem".

George passou perto de Eiréne e colocou o bilhete dobrado em mil pedaços perto dela e saiu quase correndo.

Eiréne que era extrovertida e muito divertida foi até ele e pediu que lhe abrisse a nota que deixou cair.

Brincando ainda disse: - creio que o senhor esqueceu de deixar a chave do cofre, e riu da própria provocação.

Quebrou-se o gêlo. George abriu o bilhete e entregou para ela que depois de olhar , abriu bem os olhos e disse: - me perdoe , mas não leio hebreu. Pode traduzir para mim por favor?

George ficou meio sem graça e pediu desculpas.

- Mil perdões! Achei que fosse judia.

- E sou - respondeu Eiréne. Mas não leio hebreu.

- George, embaraçado, tentou despistar, dizendo que não era nada , apenas uma brincadeira.

Eiréne não facilitou.

- Ahã, pois é amigo, você é brincalhão e eu curiosa.

George não teve saída. Leu o bilhete em polonês em voz alta.

Eiréne, respondeu em hebreu, para surpresa de George, disse que não achava ele bobo coisa nenhuma, apenas espirituoso e isso era bom.

Essa travessura de Eiréne deixou George um pouco mais à vontade e começava ali um namoro que rendeu essa história.

Mesmo jovens demais, viviam um amor além do que se pode esperar de jovens, Viviam um para o outro e se faziam companhia nas fugas de um esconderijo para o outro.

As famílias de George e Eiréne se uniram e tentavam uma dar suporte à outra.

Mas numa noite de 1942, o esconderijo havia sido descoberto e as famílias fugiram sem destino.

Cada um dos filhos querendo proteger seus pais, se perderam.

Viveram a tristeza de um amor perdido. Não havia esperança e assim, a vida seguiu apesar da dor da separação.

Ewa e Janel conseguiram fugir para o sul do Brasil onde se alojaram.

A comunidade brasileira apoiou os refugiados e para não prejudicá-los e nem serem presos mudaram seus nomes, como faziam os judeus que escapavam, vivendo na clandestinidade até o fim da II guerra.

As coisas começavam a se reorganizar e tanto Ewa, Janel e George , se adaptaram à cultura brasileira e com muito trabalho retomaram a vida.

George voltou a estudar e concluiu a universidade que havia deixado devido às circunstâncias.

Pensava noite e dia em Eiréne e de um meio de como encontrá-la.

Todas as ideias que formava lhe causavam tristeza.

E se não tivesse sobrevivido? E se assim como ele, estivesse em um outro país? E se tivesse refeito sua vida com alguém?

Será que se estivesse viva pensaria nele, lembraria dele ao menos?

Perguntas sem respostas. A vida continuava mas não tinha o mesmo sabor de antes. Já não tinham os bombardeios, mas também não haviam os beijos, o carinho e a presença daquela garota alegre que lhe fazia tanto bem.

De tudo lhe restava o amor que um dia sentiu e ainda queimava seu peito e machucava seu coração.

Seus pais estavam doentes e era certo que partiriam logo. Queriam morrer na terra, que prometiam todos os anos voltar um dia.

George estava estabelecido no Brasil e foi à Jerusalém acompanhar seus pais no último desejo de suas vidas.

No segundo dia saiu para caminhar e sonhar com o impossível.

Era Passover, a Páscoa do povo judeu. Ficou olhando cada detalhe da terra que era de seus antepassados.

Alguém lhe tocou o ombro. Era um amigo da adolescência na Polônia.

George assustou-se.

- Joaquim?!!!

- O próprio! Me dá um abraço que preciso dele - disse o amigo.

- Amigo! Não estou acreditando que estamos vivos e juntos aqui, em Jerusalém!

- Pois é... estamos aqui! Faltando um pedaço, mas vivo.

- Está falando de Eiréne?- George confirmou com um gesto.

- Ela, como todos nós, achávamos que vocês tinham morrido.

George deu um pulo e perguntou ao amigo se sabia alguma coisa dela.

- Sim. Está bem , diferente de seus pais que não conseguiram, Mas ela está bem.

- Por caridade , homem, me diga onde?!

- Nos Estados Unidos.

George com as mãos na cabeça não sabia o que dizer e nem como agir. Só queria naquele momento saber o lugar, um telefone, qualquer coisa. Precisava falar com ela.

Joaquim informou ao amigo que precisava avisá-la antes para que ela não morresse de susto. Além do mais, estava comprometida.

- Comprometida como? Casada?

- Não, ainda não, Mas ao que parece ainda casa este ano.

George chorou como  uma criança e amoleceu o coração do amigo que naquela mesma noite falou com Eiréne e contou do encontro emocionado com George.

Eiréne não sabia dizer mais nada além de " não acredito".

Deu permissão ao amigo para informar seu número a George.

Foi uma ligação longa e cheia de suspiros e silêncios. As palavras não se articulavam.

Alguns anos tinham se passado e nenhum dos dois tinha mais esperança de um reencontro.

Finalmente George disse: - estou indo para aí. Pego o primeiro voo e chego aí

- Não. Disse Eiréne. Eu vou para aí e conversamos, Por favor, deixe eu ir.

- Está bem. Venha logo ou nos encontraremos no caminho.

Dois dias de angústia, de expectativa e medo de Eiréne desistir de encontrá-lo.

Seis horas antes da chegada do voo que traria Eiréne, George já estava no aeroporto, subindo e descendo escadas. Comprando comida e não comendo.

Chegou! Colocou a mão no coração tentando controlar o disparo de suas batidas. Fechava os olhos e abria. Olhava a todos e não via a tão sonhada figura.

Olhava de novo e... sim, ela estava chegando. Como nos seus sonhos, nos seus desejos de saudade. Não via nada de diferente, nem o tempo, nem as dores conseguiram mudar a figura da sua Eiréne. Era ela. A mesma!

Num abraço sem fim, a única pergunta que George conseguiu fazer:

- Quanto tempo você vai poder ficar?

- A vida inteira, se você quiser.

- É desse tempo que precisamos. Uma vida inteira!

George e Eiréne tinham muito a falar e contar o que havia acontecido desde o dia que tiveram que fugir, voar como borboletas de ouro a espalhar-se no mundo.

Essa conversa dura até os dias de hoje, numa casa nos Estados Unidos com uma varanda, onde já cansados pelo tempo, ainda sentam de mãos dadas contando sobre o reencontro, a volta ao Brasil aonde tiveram 3 filhos, e da gratidão pela terra que os acolheu e os fez crescer.

Viajam, passeiam na pracinha, sempre de mãos dadas, como se tivessem medo de se perderem mais uma vez.

" Teus olhos, borboletas de ouro, ardentes
Borboletas de sol, de asas magoadas,
Pousam nos meus, suaves e cansadas
Como em dois Lirios roxos e dolentes..." Florbela Espanca.


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    “ Conheci um amor virtual, amor tão lindo quanto o real, sempre mando recados e depoimentos, mesmo distante tocou meus sentimentos.” ...