“Conheci um amor virtual, amor tão lindo quanto o real, sempre mando recados e depoimentos, mesmo distante tocou meus sentimentos.”
Em tepo de pandemia, conversar com os amigos,
conhecer novas pessoas, só tinha um
jeito: Pracinha virtual!
Muitas amizades foram feitas e desfeitas assim.
Encontros e amores também.
Quantas pessoas se apaixonaram através das redes
sociais? Quantas choraram e quantas se decepcionaram?
Muitos amores de brincadeiras, de mentiras, cada um
sendo o que queria ser, tentanto sair da solidão obrigatória.
Entre verdades e mentiras, muitas paixões, muitos
amores nasceram e se firmaram ali.
A Vitrine Virtual é uma faca de dois gumes. Corta para
o bem ou corta para o mal.
Dentre tantas histórias – algumas guardadas em segredo
- nasceu sem quê nem pra quê, o romance entre Helene e Daniel.
Daniel, vindo de dois casamentos, filhos adultos e
cheio de projetos pós- pandemia.
Passeava nas redes com seus bem elaborados tweets,
mais precisamente, pelos elogios que recebia.
Inteligente, intelectual e muito vaidoso, caía em
cortesias com as mulheres, em sua maioria carentes de afeto, de amizades...
Não tinha intenção séria com nenhuma, pelo que dizia,
mas seu jeito conquistador, atraía muitas amizades femininas.
Helene, havia terminado um namoro no início da
pandemia. Em seus trinta e poucos anos, nunca havia se apaixonado de verdade,
como manda o figurino.
O fim do namoro de cinco anos, não teve efeito
colateral. Se sentia livre e quase feliz, apenas com alguns traumas trazidos de
um relacionamento abusivo bem no começo de sua vida adulta.
Não se impressionava com as perguntas de Daniel sobre
sua vida e os emojis distribídos por ele todos os dias, ao que respondia.
Mas, não ficou indiferente ao seu olhar. Dedicava
algum tempo tentando decifrar o que aquele olhar queria dizer.
Não levou muito tempo e lá estavam os dois, falando
deles um para o outro.
O bom humor dos dois era marca registrada, e a
expressão casamos virou regra a cada coincidência, e isso fazia os dois
se falarem cada vez mais.
Esforço dos dois lados para estarem juntos quase todos
os dias, até que a frequência passou a
ser diária.
Nenhum dos dois querendo assumir o que aparentemente
sentiam, até que um dia, um gosto comum aos dois, virou tema da conversa.
Helene, já acreditando que o que sentia era especial, e
totalmente encantada com aquele sentimento diferente, não mediu esforços para
surpreender Daniel com um presente referente ao gosto comum dos dois que haviam
descoberto.
Começaram a viver momentos de muita emoção, embora
houvesse uma espécie de medo um do outro, o que foi desaparecendo rápido.
Mesmo nas redes em mensagens abertas, os dois já não
escondiam mais o carinho que sentiam um pelo outro.
Não deu para segurar mais. Assumiram que estavam
apaixonados e começaram a viver aquele sentimento e fazerem planos.
Daniel pensava em mudar-se do país e Helene
trabalhava viajando muitas vezes. Não
pensava em casar-se e ter filhos. Daniel também não, como já tinha filhos, não
buscava mais esse sonho.
Helene se sentia feliz em ter encontrado alguém que
não a criticasse ou cobrasse a obrigação de casar e ter filhos.
Planejavam viajar ao país em que Daniel moraria
futuramente. Ele fazia a planilha e Helene compartilhava com idéias e opiniões.
Sonhavam juntos.
−Olha só, querida, encontrei esses três hoteis − Dizia mostrando as fotos e o panorama da
cidade.
−Lindo, amor. Esse aqui é nossa cara – dizia Helene
escolhendo um.
E assim eram todas as coisas que faziam juntos. Em
pouco tempo tinham uma parceria única, um acrescentando ao outro.
Helene dava suas opiniões em tudo que Daniel lhe
apresentava e ele, por muitas vezes era seu terapeuta. Orientava, partilhava
experiências e foi parte fundamental no amadurecimento e recuperação de Helene.
Para o futuro, planejavam que Helene teria seu lugar
na casa de Daniel, e ele teria um lugar na casa de Helene. Duas casas onde
compartilhariam a paixão quando estivessem juntos em qualquer um dos lugares.
Se davam bem. Um adorava conversar com o outro e
dividiam seu dia a dia em relatórios diários no início de seus encontros. Assim,
um participava da vida do outro, como fazem os namorados.
A família de Helene já conhecia Daniel através de
troca de emails e de tudo que Helene relatava. Esperavam apenas o dia de
recebê-lo em casa.
Como nem tudo é perfeito, existia um porém entre os
dois: o ciúme de Helene e o jeito conquistador de Daniel.
Apesar de ter melhorado bastante, as antigas
admiradoras provocavam Helene e isso a aborrecia.
Ele dizia que nenhuma delas tinha importância, e
ficava um tempo comportado, tempo em que Helene vivia no céu.
Mas esse prazo tinha validade, e se expirava
rapidamente. Daniel, sentindo falta de alimentar sua vaidade, voltava sempre ao
comportamento que Helene tanto odiava.
Era um estresse para os dois. Ele se aborrecia e
cobrava confiança. Ela não conseguia confiar, uma vez que ele havia tentado
muitas vezes falar em privado com as amigas que ela lhe apresentava.
Era constante em pouco tempo, essas amigas contarem
sobre as investidas de Daniel, que dizia eram sem nenhuma intenção.
Helena, obviamente, não conseguia crer, imaginando que
se eram inocentes, por que escondido?
−Que inferno, amor, essa RS ainda vai nos separar –
Reclamava ela.
−Está bem, querida, vamos ver se conseguimos vencer
isso. Tudo que me interessa é você – dizia Daniel.
−Não parece. Se você sabe que uma coisa me aborrece,
fazer aquilo pra quê? Estamos há dois anos juntos e você ainda não aprendeu
nada de mim.
Brigavam mas não conseguiam se largar. Helene era de
fato apaixonada. Era a primeira vez que sentia algo tão forte por alguém. Mesmo
brigando se tratavam com carinho, apesar da raiva explodindo.
Se reconciliavam rápido, mas logo depois, sem aviso
prévio, Daniel começava tudo de novo, acrescentando a isso, a questão de
continuar morando na mesma casa com a ex mulher e dormindo na mesma cama que
ela.
Dizia que seria até ele mudar-se. Que dormiam na mesma
cama mas conversavam apenas o necessário, que a própria ex não queria muita
proximidade.
Helene tentava acreditar, mas muitos pontos dessa
costura começavam a serem observados por ela.
Como fazia um tratamento “TEPT-Transtorno de estresse
pós-traumáutico,” resultado do relacionamento abusivo no passado, relatou todos
seus medos e desconfianças ao Terapeuta e começaram a trabalhar isso.
Ficar com ele, Daniel, era muito bom, mas essa
situação a deixava insegura, instável em suas emoções. Queria acreditar, pedia
o mínimo, e ele sempre prometia mas não conseguia cumprir.
O Terapeuta deu seu parecer à Helene. Falou que
acreditava que o casamento de Daniel podia estar desgastado pelo tempo ou
outras divergências, mas que ainda existia. E que ele não estava sendo feliz e
nem disposto a deixar de fazer o que a incomodava.
A aconselhou pensar melhor, sair da relação que ao seu
ver era um passa tempo para Daniel e talvez fosse até um estímulo para o seu
casamento.
Helene teimava em se enganar para continuar na
relação, sem no entanto acreditar no que tanto queria.
Tinham conversas longas sobre o assunto e logo tudo
ficava tranquilo e os dois seguiam em seus planos de ficarem juntos.
Conversavam sobre tudo, tinham um nível equivalente de
idéias e assuntos. Vez ou outra, a situação voltava ao ponto nevrálgico que era
o não cumprimento das promessas dele e os ciúmes dela.
Muitos outros pontos começaram a surgir o que tornava
Helene cada vez mais insegura.
Os dois tinham uma parceria incrível e isso também os
segurava numa conexão enorme.
Helene sentia que havia qualquer coisa que não estava
sendo clara. Talvez com ele ou com ela. Só sabia que tinha alguma coisa fora do
lugar.
Quando dormia sempre tinha sonhos perturbados e sabia
que alguma coisa não se encaixava. Estava se sentindo chata, e não se sentia
uma boa companhia inclusive para ela mesma.
Para evitar esse sentimento, fechava os olhos e
ouvidos para algumas coisas. Mas sabia que tudo estava por um fio.
Uma noite foi dormir muito tarde se avaliando. Se
colocando no lugar de Daniel, estava muito apaixonada e não queria vê-lo
pressionado e nem achava justo pagar um preço alto por um relacionamento sem
uma medida de troca justa.
No dia seguinte chegou mais cedo do trabalho e foi em
sua rede social. Em seguida foi nas redes sociais dele, inclusive uma que
raramente ía. Pela curiosidade, viu o que não queria.
Um comentário da suposta ex de Daniel o chamando de
amor, em seguida, viu que ele, mais uma vez, não cumpria o combinado, o que a
fez se sentir péssima.
Sabia que não pedia muito, não tinha ciúmes dos amigos
ou da família, pedia apenas que alguns poucos casos isolados fossem mantidos à
distância.
Lembrou das palavras do Terapeuta, de que talvez fosse
uma forma de ele dizer que já não estava interessado em viver um casal com ela,
que pedia exclusividade e não confiava nem se contentava com o que estava lhe
sendo oferecido.
Chorou tudo.
Precisava ser honesta com ela e com ele também. Deixá-lo
livre para viver com quem quisesse, fazer o que quisesse. Mas sabia que seria
difícil, mas, difícil também estava daquela maneira.
Tomou a decisão mais dolorida até então. Conversaria
com ele. Não mais para cobrar nada, só daria liberdade aos dois.
Se acalmou, se controlou e foi ao encontro.
Na pracinha virtual onde se encontravam todos os dias,
sempre no mesmo horário, a conversa começou com o relatório dele, que como
sempre, disse no final:
−Então, querida, é sua vez. Não me esconda nada,
nadinha… (brincadeira que sempre fazia)
−Nadinha? –perguntou ela.
−-Nadinha!
−Está bem – disse Helene, iniciando a conversa
propriamente dita.
−Então começo por ontem e termino hoje, está bem?
Falou de sua noite que não foi boa, relembrou os
primeiros encontros, o sentimento forte, a admiração, a parceria, os acordos
anteriores, seus valores... Enfim, de tudo que haviam vivido e do amor que ela
ainda sentia.
O tranquilizou de que estava bem e contou o que viu e
a conclusão que chegara.
−O que você viu lhe incomodou? –Perguntou Daniel
continuando –Pelo que entendi você está terminado comigo e está convicta e
certa de que isto é o melhor pra você, correto?
−Convicta e certa de que é o melhor pra mim, para você. Para nós dois −Disse ela.
Conversaram mais um pouco fingindo normalidade e ele
pediu para se despedir.
Se despediram sem os beijos, sem as manhas dos
apaixonados deixando a possibilidade de uma amizade entregue ao futuro.
No coração de Helene não ficou mágoa, apenas uma dor e
uma saudade que ela prometeu a si mesma superar.
O Jardim que acolheu tantos momento bons e outros não
tão bons, está vazio e sem a perspectiva de ser ocupado novamente.
Se esse amor foi real ninguém sabe. Mas se sabe que
existiu.
O futuro? Este ficou no passado ainda presente apenas nas boas lembranças.
"Sonhos que morreram na praia..."